terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O emprego dos demonstrativos

Querid@s alun@s,

O texto a seguir pode ser útil para evitar os erros com o uso dos demonstrativos, gostaria que lessem as explicações e postassem alguns exemplos nos comentários.
Um grande abraço.
 Professora Adriana


Confusão de regras gramaticais pode ser contornada de forma simples

As gramáticas apresentam excesso de regras para o uso dos pronomes demonstrativos, muitas das quais redundandes e até confusas. Na verdade, o demonstrativo tem duas funções ou uso distintos. O ideal é conhecer a única regra básica para cada demonstrativo em cada uma dessas funções.
A primeira função é chamada pragmática ou situacional, pois o pronome de refere à situação, ao contexto em que a fala ocorre, e seu uso é paralelo e equivalente ao dos advérbios pronominais "aqui" (para a 1a. pessoa), "aí" (para a 2a. pessoa) e "ali" (para a 3a. pessoa). Assim, o uso de "este" equivale, situacionalmente, ao de "aqui"; o de "esse", ao de "aí"; e o emprego de "aquele", ao de "ali".

"Posso saber quem é aquele homem (ali)?"
 
"Este rapaz que você vê (aqui) é meu amigo".
 
"Esse relógio () é sem dúvida muito bonito". 

Os demonstrativos, em seu uso situacional, primitivamente representam, na escrita, gestos que acompanham a fala.

Funções no texto

Assim, "este" se refere ao universo espaço-temporal do falante: "este" relógio (aqui) é o que estou usando ou tenho em mão; esta sala (aqui) é a sala em que me encontro; "este" livro (aqui) é o que estou lendo ou segurando; este momento é sinônimo de "agora" etc. "Esse" se refere ao universo distante do falante, mas não necessariamente próximo ao do ouvinte.
Ao referir-se, por exemplo, a "esses políticos de Brasília", não estou necessariamente apontando para o universo espaço-temporal do meu interlocutor. Mas, ao referir-me a "essa camisa (aí) que você está usando", obviamente aponto para o universo do ouvinte. "Aquele", por sua vez, só se refere a algo distante do falante e do ouvinte: "Quem é aquele homem que vai ali?".

Sintaxe

A segunda função do demonstrativo é chamada textual ou sintática. O demonstrativo, nessa função, refere-se ao já dito ou ao que ainda vai ser dito num texto.

- "Este", quando empregado sozinho, sem oposição, se refere ao que ainda vai ser dito no texto: "O lema da nossa bandeira é este: Ordem e Progresso."

- "Esse" é sempre empregado sozinho, sem oposição, e refere-se sempre ao que já foi dito no texto: "Fé, esperança e caridade - essas são as virtudes teologais".

- "Aquele" é usado apenas em oposição a "este" e em referência ao já dito no texto: "Pedro estuda e Maria se diverte. Aquele passará no vestibular, mas esta será reprovada." Repare-se que nunca se deve dizer "esse" em oposição a "aquele".

Essas regras têm exceção: delas se excluem as formas cristalizadas na língua, inalteráveis, como "isto é" (nunca "isso é"), "por isso" (nunca "por isto").

Por José Augusto Carvalho
Revista Língua Portuguesa n. 53

Conto de Verão n. 2: Bandeira Branca


Car@s alun@s, 
Se alguém perdeu as últimas aulas, coloquei a atividade proposta em sala aqui em nosso blog. Aproveitem esse descanso e atualizem os seus registros. Qualquer dúvida, podem me contatar através do blog ou pelo e-mail: adrianaselestina@hotmail.com

Luís Fernando Veríssimo
Ele: tirolês. Ela: odalisca; Eram de culturas muito diferentes, não podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro. Em vez de dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval.
Encontraram-se de novo no baile infantil do clube, no ano seguinte. Ele com o mesmo tirolês, agora apertado nos fundilhos, ela de egípcia. Tentaram recomeçar o montinho, mas dessa vez as mães reagiram e os dois foram obrigados a dançar, pular e entrar no cordão, sob ameaça de levarem uns tapas. Passaram o tempo todo de mãos dadas.Só no terceiro Carnaval se falaram.- Como é teu nome?
- Janice. E o teu?
- Píndaro.
- O quê?!
- Píndaro.
- Que nome!
Ele de legionário romano, ela de índia americana.
Só no sétimo baile (pirata, chinesa) desvendaram o mistério de só se encontrarem no Carnaval e nunca se encontrarem no clube, no resto do ano. Ela morava no interior, vinha visitar uma tia no Carnaval, a tia é que era sócia.
- Ah.
Foi o ano em que ele preferiu ficar com a sua turma tentando encher a boca das meninas de confete, e ela ficou na mesa, brigando com a mãe, se recusando a brincar, o queixo enterrado na gola alta do vestido de imperadora. Mas quase no fim do baile, na hora do Bandeira Branca, ele veio e a puxou pelo braço, e os dois foram para o meio do salão, abraçados. E, quando se despediram, ela o beijou na face, disse -Até o Carnaval que vem- e saiu correndo.

***

No baile do ano em que fizeram 13 anos, pela primeira vez as fantasias dos dois combinaram. Toureiro e bailarina espanhola. Formavam um casal! Beijaram-se muito, quando as mães não estavam olhando. Até na boca. Na hora da despedida, ele pediu:
- Me dá alguma coisa.
- O quê?
- Qualquer coisa.
- O leque. O leque da bailarina.
Ela diria para a mãe que o tinha perdido no salão.

***

No ano seguinte, ela não apareceu no baile. Ele ficou o tempo todo à procura, um havaiano desconsolado. Não sabia nem como perguntar por ela. Não conhecia a tal tia. Passara um ano inteiro pensando nela, às vezes tirando o leque do seu esconderijo para cheirá-lo, antegozando o momento de encontrá-la outra vez no baile. E ela não apareceu. Marcelão, o mau elemento da sua turma, tinha levado gim para misturar com o guaraná. Ele bebeu demais. Teve que ser carregado para casa. Acordou na sua cama sem lençol, que estava sendo lavado. O que acontecera?
- Você vomitou a alma – disse a mãe.
Era exatamente como se sentia. Como alguém que vomitara a alma e nunca a teria de volta. Nunca. Nem o leque tinha mais o cheiro dela.
Mas, no ano seguinte, ele foi ao baile dos adultos no clube – e lá estava ela! Quinze anos. Uma moça. Peitos, tudo. Uma fantasia indefinida.
- Sei lá. Bávara tropical – disse ela, rindo.
Estava diferente. Não era só o corpo. Menos tímida, o riso mais alto. Contou que faltara no ano anterior porque a avó morrera, logo no Carnaval.
- E aquela bailarina espanhola?
- Nem me fala. E o toureiro?
- Aposentado.
A fantasia dele era de nada. Camisa florida, bermuda, finalmente um brasileiro. Ela estava com um grupo. Primos, amigos dos primos. Todos vagamente bávaros. Quando ela o apresentou ao grupo, alguém disse -Píndaro?!- e todos caíram na risada. Ele viu que ela estava rindo também. Deu uma desculpa e afastou-se. Foi procurar o Marcelão. O Marcelão anunciara que levaria várias garrafas presas nas pernas, escondidas sob as calças da fantasia de sultão. O Marcelão tinha o que ele precisava para encher o buraco deixado pela alma. Quinze anos, pensou ele, e já estou perdendo todas as ilusões da vida, começando pelo Carnaval. Não devo chegar aos 30, pelo menos não inteiro. Passou todo o baile encostado numa coluna adornada, bebendo o guaraná clandestino do Marcelão, vendo ela passar abraçada com uma sucessão de primos e amigos de primos, principalmente um halterofilista, certamente burro, talvez até criminoso, que reduzira sua fantasia a um par de calças curtas de couro. Pensou em dizer alguma coisa, mas só o que lhe ocorreu dizer foi -pelo menos o meu tirolês era autêntico- e desistiu. Mas, quando a banda começou a tocar Bandeira Branca e ele se dirigiu para a saída, tonto e amargurado, sentiu que alguém o pegava pela mão, virou-se e era ela. Era ela, meu Deus, puxando-o para o salão. Ela enlaçando-o com os dois braços para dançarem assim, ela dizendo - não vale, você cresceu mais do que eu- e encostando a cabeça no seu ombro. Ela encostando a cabeça no seu ombro.

***

Encontraram-se de novo 15 anos depois. Aliás, neste Carnaval. Por acaso, num aeroporto. Ela desembarcando, a caminho do interior, para visitar a mãe. Ele embarcando para encontrar os filhos no Rio. Ela disse -quase não reconheci você sem fantasias-. Ele custou a reconhecê-la. Ela estava gorda, nunca a reconheceria, muito menos de bailarina espanhola. A última coisa que ele lhe dissera fora -preciso te dizer uma coisa-, e ela dissera -no Carnaval que vem, no Carnaval que vem- e no Carnaval seguinte ela não aparecera, ela nunca mais aparecera. Explicou que o pai tinha sido transferido para outro estado, sabe como é, Banco do Brasil, e como ela não tinha o endereço dele, como não sabia nem o sobrenome dele e, mesmo, não teria onde tomar nota na fantasia de falsa bávara.
- O que você ia me dizer, no outro Carnaval? – perguntou ela.
- Esqueci – mentiu ele.
Trocaram informações. Os dois casaram, mas ele já se separou. Os filhos dele moram no Rio, com a mãe. Ela, o marido e a filha moram em Curitiba, o marido também é do Banco do Brasil- E a todas essas ele pensando: digo ou não digo que aquele foi o momento mais feliz da minha vida, Bandeira Branca, a cabeça dela no meu ombro, e que todo o resto da minha vida será apenas o resto da minha vida? E ela pensando: como é mesmo o nome dele? Péricles. Será Péricles? Ele: digo ou não digo que não cheguei mesmo inteiro aos 30, e que ainda tenho o leque? Ela: Petrarco. Pôncio. Ptolomeu.

Atividade:

1. Esta história começa assim: "Ele, tirolês. Ela, odalisca."
E termina assim: "Ele: 'Digo ou não digo que não cheguei mesmo inteiro aos 30, e que ainda tenho o leque?' Ela: 'Petrarco. Pôncio. Ptolomeu'."
Pensando nestes dois momentos, descreva em poucas palavras o comportamento de cada um dos personagens.

2. Janice e Píndaro sempre trocam de fantasia quando se encontram nos bailes de carnaval. Qual dos dois vem com a mesma fantasia do ano anterior e como era ela?

3. Só no baile em que os personagens estão fantasiados de pirata e chinesa, um mistério é desvendado. Que mistério era este e como foi esclarecido?

4. "O que você ia me dizer, no outro carnaval? - perguntou ela. Esqueci - mentiu ele." Esse diálogo entre Janice e Píndaro permite supor que:
a) ela estava curiosa demais para saber se ele ainda guardava o leque.
b) ele não consegue dizer a ela o quanto ela foi importante na vida dele.
c) os dois ainda estão apaixonados e vão adiando o momento da despedida.
d) na expectativa de mais um encontro, ele decide que o melhor é dar a resposta no próximo carnaval.

5. Como você resume o tema ou a mensagem central dessa história, partindo da expressividade de seu título: "Conto de verão n. 2: Bandeira Branca"?