Car@s alun@s,
Se alguém perdeu as últimas aulas, coloquei a atividade proposta em sala aqui em nosso blog. Aproveitem esse descanso e atualizem os seus registros. Qualquer dúvida, podem me contatar através do blog ou pelo e-mail: adrianaselestina@hotmail.com
Luís Fernando Veríssimo
Ele: tirolês. Ela: odalisca; Eram de culturas muito diferentes, não
podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos
quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro. Em vez de
dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos
desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de
confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob
ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval.
Encontraram-se de novo no baile infantil do clube, no ano seguinte. Ele
com o mesmo tirolês, agora apertado nos fundilhos, ela de egípcia.
Tentaram recomeçar o montinho, mas dessa vez as mães reagiram e os dois
foram obrigados a dançar, pular e entrar no cordão, sob ameaça de
levarem uns tapas. Passaram o tempo todo de mãos dadas.Só no terceiro
Carnaval se falaram.- Como é teu nome?
- Janice. E o teu?
- Píndaro.
- O quê?!
- Píndaro.
- Que nome!
Ele de legionário romano, ela de índia americana.
Só no sétimo baile (pirata, chinesa) desvendaram o mistério de só se
encontrarem no Carnaval e nunca se encontrarem no clube, no resto do
ano. Ela morava no interior, vinha visitar uma tia no Carnaval, a tia é
que era sócia.
- Ah.
Foi o ano em que ele preferiu ficar com a sua turma tentando encher a
boca das meninas de confete, e ela ficou na mesa, brigando com a mãe,
se recusando a brincar, o queixo enterrado na gola alta do vestido de
imperadora. Mas quase no fim do baile, na hora do Bandeira Branca, ele
veio e a puxou pelo braço, e os dois foram para o meio do salão,
abraçados. E, quando se despediram, ela o beijou na face, disse -Até o
Carnaval que vem- e saiu correndo.
***
No baile do ano em que fizeram 13 anos, pela primeira vez as
fantasias dos dois combinaram. Toureiro e bailarina espanhola. Formavam
um casal! Beijaram-se muito, quando as mães não estavam olhando. Até na
boca. Na hora da despedida, ele pediu:
- Me dá alguma coisa.
- O quê?
- Qualquer coisa.
- O leque. O leque da bailarina.
Ela diria para a mãe que o tinha perdido no salão.
***
No ano seguinte, ela não apareceu no baile. Ele ficou o tempo todo à procura, um havaiano desconsolado. Não sabia nem como perguntar por ela. Não conhecia a tal tia. Passara um ano inteiro pensando nela, às vezes tirando o leque do seu esconderijo para cheirá-lo, antegozando o momento de encontrá-la outra vez no baile. E ela não apareceu. Marcelão, o mau elemento da sua turma, tinha levado gim para misturar com o guaraná. Ele bebeu demais. Teve que ser carregado para casa. Acordou na sua cama sem lençol, que estava sendo lavado. O que acontecera?
- Você vomitou a alma – disse a mãe.
Era exatamente como se sentia. Como alguém que vomitara a alma e
nunca a teria de volta. Nunca. Nem o leque tinha mais o cheiro dela.
Mas, no ano seguinte, ele foi ao baile dos adultos no clube – e lá
estava ela! Quinze anos. Uma moça. Peitos, tudo. Uma fantasia
indefinida.
- Sei lá. Bávara tropical – disse ela, rindo.
Estava diferente. Não era só o corpo. Menos tímida, o riso mais alto.
Contou que faltara no ano anterior porque a avó morrera, logo no
Carnaval.
- E aquela bailarina espanhola?
- Nem me fala. E o toureiro?
- Aposentado.
- Nem me fala. E o toureiro?
- Aposentado.
A fantasia dele era de nada. Camisa florida, bermuda, finalmente um
brasileiro. Ela estava com um grupo. Primos, amigos dos primos. Todos
vagamente bávaros. Quando ela o apresentou ao grupo, alguém disse
-Píndaro?!- e todos caíram na risada. Ele viu que ela estava rindo
também. Deu uma desculpa e afastou-se. Foi procurar o Marcelão. O
Marcelão anunciara que levaria várias garrafas presas nas pernas,
escondidas sob as calças da fantasia de sultão. O Marcelão tinha o que
ele precisava para encher o buraco deixado pela alma. Quinze anos,
pensou ele, e já estou perdendo todas as ilusões da vida, começando pelo
Carnaval. Não devo chegar aos 30, pelo menos não inteiro. Passou todo o
baile encostado numa coluna adornada, bebendo o guaraná clandestino do
Marcelão, vendo ela passar abraçada com uma sucessão de primos e amigos
de primos, principalmente um halterofilista, certamente burro, talvez
até criminoso, que reduzira sua fantasia a um par de calças curtas de
couro. Pensou em dizer alguma coisa, mas só o que lhe ocorreu dizer foi
-pelo menos o meu tirolês era autêntico- e desistiu. Mas, quando a banda
começou a tocar Bandeira Branca e ele se dirigiu para a saída, tonto e
amargurado, sentiu que alguém o pegava pela mão, virou-se e era ela. Era
ela, meu Deus, puxando-o para o salão. Ela enlaçando-o com os dois
braços para dançarem assim, ela dizendo - não vale, você cresceu mais do
que eu- e encostando a cabeça no seu ombro. Ela encostando a cabeça no
seu ombro.
***
Encontraram-se de novo 15 anos depois. Aliás, neste Carnaval. Por
acaso, num aeroporto. Ela desembarcando, a caminho do interior, para
visitar a mãe. Ele embarcando para encontrar os filhos no Rio. Ela disse
-quase não reconheci você sem fantasias-. Ele custou a reconhecê-la.
Ela estava gorda, nunca a reconheceria, muito menos de bailarina
espanhola. A última coisa que ele lhe dissera fora -preciso te dizer uma
coisa-, e ela dissera -no Carnaval que vem, no Carnaval que vem- e no
Carnaval seguinte ela não aparecera, ela nunca mais aparecera. Explicou
que o pai tinha sido transferido para outro estado, sabe como é, Banco
do Brasil, e como ela não tinha o endereço dele, como não sabia nem o
sobrenome dele e, mesmo, não teria onde tomar nota na fantasia de falsa
bávara.
- O que você ia me dizer, no outro Carnaval? – perguntou ela.
- Esqueci – mentiu ele.
- Esqueci – mentiu ele.
Trocaram informações. Os dois casaram, mas ele já se separou. Os
filhos dele moram no Rio, com a mãe. Ela, o marido e a filha moram em
Curitiba, o marido também é do Banco do Brasil- E a todas essas ele
pensando: digo ou não digo que aquele foi o momento mais feliz da minha
vida, Bandeira Branca, a cabeça dela no meu ombro, e que todo o resto da
minha vida será apenas o resto da minha vida? E ela pensando: como é
mesmo o nome dele? Péricles. Será Péricles? Ele: digo ou não digo que
não cheguei mesmo inteiro aos 30, e que ainda tenho o leque? Ela:
Petrarco. Pôncio. Ptolomeu.
Atividade:
1. Esta história começa assim: "Ele, tirolês. Ela, odalisca."
E termina assim: "Ele: 'Digo ou não digo que não cheguei mesmo inteiro aos 30, e que ainda tenho o leque?' Ela: 'Petrarco. Pôncio. Ptolomeu'."
Pensando nestes dois momentos, descreva em poucas palavras o comportamento de cada um dos personagens.
2. Janice e Píndaro sempre trocam de fantasia quando se encontram nos bailes de carnaval. Qual dos dois vem com a mesma fantasia do ano anterior e como era ela?
3. Só no baile em que os personagens estão fantasiados de pirata e chinesa, um mistério é desvendado. Que mistério era este e como foi esclarecido?
4. "O que você ia me dizer, no outro carnaval? - perguntou ela. Esqueci - mentiu ele." Esse diálogo entre Janice e Píndaro permite supor que:
a) ela estava curiosa demais para saber se ele ainda guardava o leque.
b) ele não consegue dizer a ela o quanto ela foi importante na vida dele.
c) os dois ainda estão apaixonados e vão adiando o momento da despedida.
d) na expectativa de mais um encontro, ele decide que o melhor é dar a resposta no próximo carnaval.
5. Como você resume o tema ou a mensagem central dessa história, partindo da expressividade de seu título: "Conto de verão n. 2: Bandeira Branca"?
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